PEDACINHOS DA HISTÓRIA GOIANA (n. 100)


A INTRIGANTE FRASE EM UMA LEI DE 1919:
"SANHA GUERREIRA DO GENTIO GOIÁ"


A lei 650, de 1919, definiu o hino, a bandeira e o brasão do Estado de Goiás. O hino mudou. Foi substituído em 2001 por outro, de José Mendonça Teles (letra) e Joaquim Jayme (música). A bandeira ainda é a mesma (uma adaptação verde-amarela da bandeira dos Estados Unidos). O brasão (ou as "armas", como diz a lei) também continua igual.

Mas havia no texto da lei uma frase intrigante. O artigo 4.º falava do prato com aguardente (desenhado na parte de baixo do brasão) e dizia que foi usando dessa artimanha que Bartolomeu Bueno da Silva conteve, no século XVIII, a "sanha guerreira do gentio Goiá".

Sanha guerreira? Ao contrário: os Goiá ficaram conhecidos por sua brandura diante dos paulistas.

Diogo de Vasconcellos, autor de História antiga das Minas Gerais (1904), disse que os Goiá eram um povo "pacato". O padre Luiz Antônio da Silva e Souza, escrevendo em 1812, chamou a nação Goiá de "pacífica". E a lenda de Sumé dizia que ele, Sumé, o chefe dos Goiá, ordenou ao seu povo que buscasse fazer amizade com os paulistas, cuja chegada ao sertão já era prevista. Quando Apu, filho e sucessor de Sumé, decidiu se afastar daquela ordem, foi atacado e morto por outros Goiá. O sucessor de Apu restaurou a ordem de Sumé e recebeu os paulistas em suas terras com espírito amistoso e festa.

De onde, então, terá saído essa acusação de "sanha guerreira" dos Goiá, inscrita no texto da lei?


O brasão do Estado de Goiás se baseou em um modelo produzido por
Luiz Gaudie Fleury (sobrinho do padre Luiz Gonzaga Camargo Fleury,
presidente provincial de Goiás de 1837 a 1839).


SAIBA MAIS:
Os índios "Goyá", os fantasmas e nós
Antón Corbacho Quintela (UFG)
LINK: Artigo

Lei 650, de 30 de julho de 1919.  LINK: Lei


01.06.2022

PEDACINHOS DA HISTÓRIA GOIANA (n. 99)


1886: GRANDES EXPECTATIVAS PARA
JURUPENSEN (QUE HOJE NEM EXISTE MAIS)


Jurupensen foi o nome dado a uma localidade que ficava ao norte da cidade de Goiás, a 14 léguas de distância. Havia ali uma fortificação militar, o presídio de Jurupensen, que foi erguido em 1864 às margens do rio Vermelho. A ideia era que houvesse segurança bastante para atrair habitantes, colonizar a região e catequizar os indígenas. Em 1886, grandes novidades se anunciaram para o lugar, que se desenvolvia lentamente.

Em breve, Jurupensen poderia estar conectada à capital do Grão-Pará e à cidade de Santos, ou seja, estaria no centro do Império do Brasil mantendo relações com o norte amazônico e com um dos portos mais prósperos do Atlântico sul. 

A conexão com o Grão-Pará estava prevista no decreto imperial 9.680 (de 20 de novembro de 1886), que tratava da navegação a vapor nos rios Vermelho, Araguaia e Tocantins. O decreto estabeleceu um contrato de concessão com o empresário João José Correia de Moraes e, na cláusula 3 deste contrato, se previa que em Jurupensen estaria um dos portos onde os navios deveriam fazer escala.

A conexão com São Paulo se daria por uma estrada de ferro. Era o que estava previsto em um Plano Ferroviário apresentado naquele mesmo ano de 1886 pelo ministro da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, Rodrigo Augusto da Silva. Pela via férrea projetada, seria possível ir de Jurupensen à cidade de Goiás, continuar até Campinas, no interior de São Paulo, e seguir adiante até a capital paulista e depois à cidade portuária de Santos.

Não aconteceu como se imaginava. A estrada de ferro não foi construída. A navegação a vapor realmente chegou a Jurupensen, conforme estabelecido em contrato, mas o impacto econômico ficou aquém do esperado. No fim do século XIX, a localidade saiu da rota de navegação. Jurupensen, abandonada, caiu em ruínas.

O pesquisador Matheus Nunes tentou visitar essas ruínas em 2021. Viu poucos vestígios. Há agora uma represa onde ficava o presídio e não foi possível chegar às ruínas da igreja em razão da "grande quantidade de matagais". As expectativas de 1886 viraram pó.


Relatório do presidente provincial de Goiás (01.03.1880).


SAIBA MAIS:
Decreto imperial 9.680 (1886) - LINK
Plano Ferroviário do ministro Rodrigo Augusto da Silva (1886) - LINK
Visita às ruínas de Jurupensen - LINK

26.05.2022

PEDACINHOS DA HISTÓRIA GOIANA (n. 98)


APARECIDENSE: DO VEXAME DE 2013
AO SUCESSO DE 2021


A Associação Atlética Aparecidense, clube de futebol fundado em 1985 na cidade de Aparecida de Goiânia, ficou famosa nacionalmente no ano de 2013. A razão da fama, para infelicidade do clube, era vergonhosa.

No Campeonato Brasileiro da Série D daquele ano, a Aparecidense chegou às oitavas-de-final e teve como adversário o Tupi, de Juiz de Fora (Minas Gerais). Eram duas partidas. Na primeira, realizada em Aparecida de Goiânia, os dois times empataram em 1 a 1. Na segunda, em Juiz de Fora, o placar de 2 a 2, com o jogo chegando ao fim, estava classificando a Aparecidense para a fase seguinte.

Aconteceu, então, o que ninguém imaginava: o jogador Ademílson, do Tupi, chutou a bola em direção à meta adversária e o massagista da Aparecidense invadiu o campo para impedir o gol. E realmente impediu. Em seguida, deu-se uma enorme confusão, inclusive com tentativa de agressão ao invasor. Esquerdinha, o massagista, conseguiu fugir para o vestiário.

O fato foi noticiado para todo o país. A Justiça desportiva decidiu expulsar a Aparecidense do campeonato e o Tupi se classificou para a fase seguinte. O massagista Esquerdinha sofreu uma penalidade de suspensão. Aproveitou a fama passageira para se candidatar a deputado estadual, mas não foi eleito.

A situação foi lamentável, mas a Aparecidense deu a volta por cima nos anos seguintes. Foi finalista do Campeonato Goiano (2015 e 2018), desclassificou o Botafogo carioca da Copa do Brasil (2018) e em 2021, oito anos depois do vexaminoso incidente na partida contra o Tupi, chegou à final da Série D. Nas duas partidas decisivas contra o Campinense, da Paraíba, a Aparecidense venceu uma e empatou a outra. Tornou-se o primeiro clube goiano campeão da quarta divisão nacional.

A torcida comemorou muito. O vexame ficou no passado.

Esquerdinha também deu a volta por cima. Depois da derrota eleitoral e da suspensão esportiva, voltou a trabalhar no futebol goiano.


Em 2013, Esquerdinha invadiu rapidamente o campo e evitou que
a bola entrasse no gol. Apesar do apelido, usou a perna direita.
(Foto: Sagres 730)


Após invadir o campo, Esquerdinha foi perseguido,
mas conseguiu se refugiar no vestiário. (Foto: Globo Esporte)


Aparecidense, campeão nacional da Série D - 2021.
(Foto: Viver Goiás)


SAIBA MAIS:
Tupi 2 X 2 Aparecidense (2013). O jogo em que Esquerdinha invadiu o campo.  LINK (com vídeo)
Aparecidense 1 X 1 Campinense (2021). Final da Série D.  LINK

18.05.2022

PEDACINHOS DA HISTÓRIA GOIANA (n. 97)


AS DUAS CONSTITUIÇÕES DE GOIÁS EM 1891:
A DOS BULHÕES E A DOS FLEURY


Depois de proclamada a República, em 1889, as províncias do Brasil foram transformadas em Estados e ganharam o direito de promulgar as suas próprias Constituições estaduais. Em Goiás, foram promulgadas duas.

A família Fleury, que se juntou ao Partido Católico de Goiás para fundar o Partido Republicano Federal (PRF), era apoiadora do presidente Deodoro da Fonseca. A família Bulhões, que chefiava o partido chamado Centro Republicano, era mais ligada ao vice-presidente Floriano Peixoto. Cada um desses dois grupos reuniu a sua própria Assembleia Constituinte e promulgou a sua própria Constituição estadual. Era comum, nas disputas coronelistas por todo o Brasil, que houvesse essa duplicidade de poderes.

A Constituição dos Bulhões, promulgada em 1º de junho de 1891, foi considerada nula pelo governo estadual, que estava sob o domínio do PRF. A Constituição dos Fleury foi promulgada em 1º de dezembro de 1891, mas uma semana antes, após uma grave crise política, Deodoro da Fonseca renunciou ao poder. Floriano Peixoto o substituiu na presidência da República e os Bulhões aproveitaram a nova situação para tomar o poder.

O general Brás Abrantes, escolhido por Floriano Peixoto para impôr uma nova ordem em Goiás, declarou que a Constituição dos Bulhões era a Constituição do Estado. Vitória do Centro Republicano, derrota do PRF. Brás Abrantes, alguns anos depois, foi senador da República eleito por Goiás. Uma cidade goiana ganhou o nome de Brazabrantes em sua homenagem.

As duas Constituições, ambas oligárquicas, eram muito parecidas. Diferenças apenas de detalhes. A Constituição dos Fleury, por exemplo, exigia que o candidato a deputado estadual fosse goiano ou residisse em Goiás há, pelo menos, 5 anos. Já a Constituição dos Bulhões não falava na necessidade do candidato ser goiano e exigia apenas 2 anos de residência no Estado.

Goiás teve mais três Assembleias Constituintes estaduais: 1935, 1947 e 1989. As três foram únicas. Sem duplicidade de poderes.


João Bonifácio Gomes de Siqueira presidiu a Assembleia Constituinte
dos Fleury, que depois foi considerada nula por Brás Abrantes. 


SAIBA MAIS:
Constituição dos Bulhões . LINK

11.05.2022

PEDACINHOS DA HISTÓRIA GOIANA (n. 96)


NO MUNICÍPIO DE MINEIROS,
GOIANOS E GAÚCHOS EM CONFLITO


Nas décadas de 1970 e 1980, a migração de sulistas para as áreas rurais do Centro-Oeste se intensificou. Havia o incentivo do governo federal e o preço das terras era um atrativo especial. Um hectare de terra no Centro-Oeste podia valer um décimo do que valia na região Sul. Os migrantes chegavam em Goiás e nos outros Estados da região com recursos para investir, ânimo para produzir em excesso e vontade de lucrar muito. Eram os primórdios do agronegócio. Parte dos migrantes, rapidamente, passaram a investir também em atividades comerciais e estimularam ainda mais a economia de vários municípios.

Apesar desse estímulo econômico, o encontro de duas culturas gerou desentendimento, como é comum de acontecer. Em pesquisa sobre o município de Mineiros, Sandra Mara D'Avila Sandri abordou esse conflito. Era agronegócio contra costumes tradicionais. Os goianos diziam que os gaúchos enriqueciam e se tornavam arrogantes. Os gaúchos diziam que os goianos eram atrasados e indolentes.

“Goiano não gosta de trabalhar!”, diziam os sulistas.

"Não gosto do jeito que eles se comportam em festas na comunidade, se mostrando como superiores", reclamava uma goiana.

O Centro de Tradições Gaúchas conseguia harmonizar os dois lados quando promovia um evento em que era oferecido o café colonial sulista. Os goianos apreciavam e os gaúchos se sentiam valorizados. 

O desentendimento existia (e existe até hoje), mas os sulistas continuavam dispostos a produzir e prosperar na cidade de Mineiros, enquanto os goianos reconheciam que a chegada dos migrantes havia sido decisiva para desenvolver o município. Mais forte que o conflito era o interesse em conviver, justificando os versos do famoso Gaúcho da Fronteira em sua polca Prá Goiás:

Povo goiano agradeço
em nome da gauchada

Que aqui se sentem felizes
com a vida realizada

Irmanados na peleia
por esta terra abençoada

Puxam junto com os bois
Quem sabe amanhã ou depois
faço aí  minha morada.


No logotipo do CTG de Mineiros, uma bandeira sul-rio-grandense e
outra goiana. Símbolo da união entre os dois povos, apesar das tensões.


SAIBA MAIS:
Sandra Mara D'Avila Sandri
Sulistas em Mineiros: a recriação da identidade (Dissertação de Mestrado)

04.05.2022

PEDACINHOS DA HISTÓRIA GOIANA (n. 95)


VILLA MIX: O MAIOR FESTIVAL DO BRASIL
E O MAIOR PALCO DO MUNDO


Em 2011, a AudioMix decidiu promover pela primeira vez um novo festival musical. A ideia era realizar vários shows seguidos com os artistas que tinham suas carreiras gerenciadas pela empresa. O evento ganhou o nome de Villa Mix Festival e foi realizado em Goiânia, cidade onde está sediada a AudioMix. Teve público inferior a 50.000 pessoas.

Nos anos seguintes, cresceu de modo impressionante.

Em 2013, o evento passou a ser realizado em várias cidades, além de Goiânia. Naquele ano, as imagens do Villa Mix na capital goiana foram usadas pela Rede Globo de Televisão em um programa chamado Sintonize. Em 2015, o evento foi assistido ao vivo pelo YouTube por cerca de 500.000 pessoas. Em 2016, foi realizado em 120 cidades e teve um público superior a 1 milhão de pessoas. No YouTube, foram mais de 5 milhões de pessoas. Tornou-se um festival com participação de artistas da AudioMix e também outros, brasileiros e estrangeiros, que eram anunciados como convidados especiais. E continuou crescendo nos anos seguintes.

O palco do festival na cidade de Goiânia se tornou um destaque à parte. Em 2013, foi reconhecido como o maior palco de evento musical já montado na América Latina. Dois anos depois, o palco do Villa Mix em Goiânia entrou para o Guiness Book como o maior do mundo. Esse recorde foi superado em 2017 pelo próprio Villa Mix.

O Villa Mix Festival ajudou a projetar Goiânia como uma cidade cada vez mais moderna e próspera. Além de ser reconhecida como a capital da música sertaneja, com duas megaempresas de gerenciamento de artistas (AudioMix e WorkShow), se destaca nacionalmente como uma das cidades mais influentes no mercado de showbusiness e entretenimento musical da atualidade.

A AudioMix publicou na internet, com satisfação, que o Villa Mix é "o maior festival do Brasil". Motivo de orgulho para a maioria dos goianienses.


Em 2019, além de ser realizado em várias cidades
do Brasil, o Villa Mix também chegou a Lisboa.


"O maior festival do Brasil" é organizado por uma empresa goiana.
(Site da AudioMix)


SAIBA MAIS:
Villa Mix . O maior festival do Brasil.   LINK
Villa Mix Festival . Uma marca de desejos (Juliana Alves Cardoso-UFG).   LINK

26.04.2022

PEDACINHOS DA HISTÓRIA GOIANA (n. 94)


DISPUTAS SEM ADVERSÁRIOS:
CANDIDATOS A GOVERNADORES
DE GOIÁS NA DÉCADA DE 1970


Em 1965, o eleitorado goiano foi às urnas para escolher um novo governador. A disputa foi acirrada: Otávio Lage (da UDN) venceu José Peixoto da Silveira (do PSD) por menos de 1% dos votos válidos. Nas três eleições seguintes, foi bem diferente. Os eleitos não precisaram nem enfrentar adversários.
 
Em 1970, com novas regras eleitorais, Leonino Caiado foi candidato único e a eleição foi indireta. Apenas os deputados estaduais tinham direito a voto. O partido que apoiava o Regime Militar (ARENA) garantia a Leonino amplo apoio e todos os seus 25 votos. Assim foi eleito o candidato único. Os deputados do MDB apenas se abstiveram e manifestaram sua insatisfação com o sistema de eleição indireta.

Em 1974, o MDB decidiu adotar novamente uma atitude de protesto e não participar das eleições indiretas estaduais. Irapuan Costa Júnior, o candidato único, foi eleito sem surpresa com os votos dos 22 deputados da ARENA.

Em 1978, a eleição teve um número muito maior de votos. Uma nova legislação, imposta pelo Regime Militar, definiu que os governadores deveriam ser eleitos por colégios eleitorais, cujos membros seriam os deputados estaduais e representantes de todas as câmaras municipais do Estado. Apesar dessa mudança, a ARENA continuou tendo ampla maioria dos votos em Goiás e o seu candidato, Ary Valadão, foi o único inscrito na eleição. Dos 387 membros do colégio eleitoral, 351 compareceram à votação. Todos votaram em Ary Valadão.

Cada uma dessas candidaturas únicas venceu com tranquilidade no dia da votação, mas havia uma disputa anterior, de bastidores, para definir o nome do candidato. E era uma disputa muito acirrada. Tão acirrada que os governadores tinham seus nomes preferidos, mas não podiam impô-los. Irapuan Costa Júnior, por exemplo, preferia que o seu sucessor fosse o deputado José de Assis, mas o Regime Militar escolheu Ary Valadão como candidato. Naquela década de 1970, eleição para governador se decidia mesmo era nas disputas secretas dos gabinetes.


Ao lado do presidente da República, o governador Ary Valadão
(o último de Goiás a ser escolhido em eleição indireta).


SAIBA MAIS:
Nem só por morte governaram os militares
Marcos Nunes Carreiro (jornal Opção)

19.04.2022

PEDACINHOS DA HISTÓRIA GOIANA (n. 93)


1885: UM REPRESENTANTE DE GOIÁS NA
PRESIDÊNCIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
(O ÚNICO ATÉ HOJE)


Em toda a história da Câmara dos Deputados do Brasil, apenas um representante de Goiás foi eleito para a sua presidência. Aconteceu em 1885. O eleito foi o deputado André Augusto de Pádua Fleury.

Embora tenha nascido em Cuiabá, o deputado Pádua Fleury era de uma família goiana e seu pai, o comendador Antônio de Pádua Fleury, havia sido presidente da província de Goiás. Luís Gonzaga Camargo Fleury, irmão do comendador Antônio, teve atuação política de destaque na época da independência do Brasil e também havia chegado à presidência de Goiás.
 
Em 1861, André de Pádua Fleury assumiu o seu primeiro mandato de deputado. Era o início de uma carreira política movimentada. Ele foi presidente de três províncias (Espírito Santo, Paraná e Ceará), diretor da Faculdade de Direito de São Paulo e ministro da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Dedicou-se muito ao estudo de assuntos prisionais e representou o Brasil no II Congresso Penitenciário Internacional, realizado em 1878 na capital da Suécia.

Em 1885, assumiu o seu quinto mandato de deputado. A eleição para presidente da Câmara dos Deputados foi realizada no dia 29 de agosto daquele ano. O liberal Fleury recebeu 57 votos e o conservador Andrade Figueira, do Rio de Janeiro, recebeu 31 votos. Ainda houve 9 votos em branco.

Depois de eleito, Fleury exerceu de fato a presidência por menos de um mês. Um decreto dissolveu a Câmara em 26 de setembro. Em 1886, quando os trabalhos parlamentares recomeçaram, um novo presidente foi escolhido (e o eleito foi o mesmo Andrade Figueira que, no ano anterior, havia sido derrotado por Fleury).


André de Pádua Fleury foi líder dos
liberais goianos até a década de 1880.


SAIBA MAIS:

13.04.2022

PEDACINHOS DA HISTÓRIA GOIANA (n. 92)


O CONDE DE SÃO MIGUEL E O PRIMEIRO GRANDE
ESCÂNDALO DE CORRUPÇÃO DA HISTÓRIA GOIANA


Acusações pesadas foram lançadas sobre Álvaro José Xavier Botelho de Távora, o 4º conde de São Miguel, que foi o segundo governador colonial de Goiás. Sua situação era tão grave que em 1762 (quatro anos depois de concluído o seu governo), um desembargador do Rio de Janeiro foi encarregado de promover uma devassa na administração colonial goiana para apurar os possíveis desmandos. Eram 24 acusações.

Távora tinha motivos para estar aterrorizado. Dois de seus principais desafetos estavam em posições de alto poder no início da década de 1760. Em Lisboa, o conde de Oeiras (futuro Marquês de Pombal) era o Secretário de Estado de Negócios Interiores do Reino, ou seja, era o primeiro-ministro do rei D. José I. Agia como o homem de confiança do soberano e estava dotado de poderes especiais. No Rio de Janeiro, o conde dos Arcos chegou à posição de vice-rei do Brasil logo após governar Goiás. Távora dizia que Arcos, como governador, havia permitidos desmandos em Goiás. Transformou o vice-rei em seu inimigo, embora fossem cunhados.

A ojeriza do conde de Oeiras à família Távora era tamanha que deu origem ao histórico episódio conhecido como processo dos Távoras. O conde de São Miguel imaginava que poderia terminar enforcado, assim como aconteceu com vários de seus parentes em Portugal.

O desembargador Manoel da Fonseca Brandão promoveu a devassa em Goiás por dois anos. Das 24 acusações contra o conde de São Miguel, apenas uma se comprovou, relativa a tráfico de escravos (uma atividade não permitida aos governadores coloniais). O conde não foi condenado à forca, mas perdeu quase todo o seu prestígio. Não contava mais com a estima do rei e foi afastado da administração pública portuguesa pelo conde de Oeiras.

Na devassa de Goiás foram pronunciados também ouvidores, intendentes, provedores da fazenda real, tesoureiros e outros. Alguns foram presos, outros perderam quase todos os seus bens. Pode ser considerado o primeiro grande escândalo de corrupção da história goiana.

Távora preservou o título de conde. Os reis, afinal, eram cautelosos ao punir os nobres. Mesmo aqueles que perdiam a sua confiança e o seu apreço. O processo dos Távoras havia sido uma exceção e era melhor evitar novas ocorrências traumáticas daquele tipo.

A família Távora foi reabilitada depois de 1777, quando Maria I se tornou rainha de Portugal e afastou do poder os pombalinos (partidários do marquês de Pombal). A filha do conde de São Miguel, Margarida de Lancastre, ganhou da rainha o título de marquesa de São Miguel.


Brasão do conde de São Miguel, que saiu humilhado do
governo colonial de Goiás, mas manteve o título de nobreza.


SAIBA MAIS:
Nas teias da administração colonial: os governadores da capitania de Goiás (1749-1822)
Alan Ricardo Duarte Pereira e Cristina de Cássia Pereira Moraes
Link:  artigo

06.04.2022

PEDACINHOS DA HISTÓRIA GOIANA (n. 91)


O TORNEIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL
(UMA QUASE SÉRIE B PARA OS ATLETICANOS...)


Em 1971, passou a ser disputada uma nova competição criada pela Confederação Brasileira de Desportos (CBD, atual CBF). A competição ganhou o nome de Campeonato Nacional de Clubes e era diferente da Taça Brasil (disputada desde 1959). A Taça Brasil era uma disputa entre os campeões estaduais. O Campeonato Nacional de Clubes, por outro lado, tinha um formato muito semelhante ao da atual Série A, ou seja, uma primeira divisão (ou divisão de elite, como também é chamada).

O futebol goiano queria estar presente no novo campeonato, mas não foi admitido pela CBD. Insatisfeitos, alguns dirigentes pensaram em promover uma competição alternativa, com partidas disputadas em Goiânia e Anápolis.
 
O governador Leonino Caiado considerou que aquela competição alternativa poderia fazer boa propaganda do Estado de Goiás para o resto do país e decidiu apoiar. A CBF não considerou a ideia uma rebeldia e deu a sua aprovação. E a competição, chamada de Torneio da Integração Nacional, tornou-se realidade naquele mesmo ano de 1971. Os primeiros jogos foram disputados no dia 25 de setembro.

Participaram clubes de Goiás e de outros dez Estados: Bahia, Espírito Santo, Guanabara, São Paulo, Paraná, Amazonas, Maranhão, Paraíba, Ceará e Pernambuco. Depois de 36 partidas, classificaram-se para a decisão o Atlético Goianiense e a Ponte Preta, da cidade de Campinas (SP).

A decisão se deu em três partidas. Vitória da Ponte Preta na primeira, vitória do Atlético na segunda e empate em zero a zero na terceira. Foi preciso realizar uma prorrogação logo após essa última partida. Nessa prorrogação, o atacante Luisinho fez o gol da vitória atleticana.

O jornal paulistano Gazeta Esportiva declarou que o Atlético Mineiro, primeiro colocado no Campeonato Nacional de Clubes, era o campeão brasileiro daquele ano, enquanto o Atlético Goianiense, campeão do Torneio da Integração Nacional, era o "campeão número 2 do Brasil". Décadas depois, vários atleticanos resolveram reforçar essa ideia de "campeão número 2". Querem que a CBF reconheça o Torneio da Integração Nacional como uma competição equivalente à atual Série B. Assim, o torneio de 1971 passaria a ter um status bem mais elevado do que tinha quando foi realizado.

No aniversário de 50 anos do torneio, a diretoria do Atlético Goianiense homenageou os atletas campeões daquela histórica competição.


Encerrado o Torneio da Integração Nacional, os jornalistas Ciro
Lisita Jr e João Batista Alves Filho disseram, em 1971, que o Atlético
Goianiense havia conquistado "o mais expressivo título
já conquistado por um time de Goiás".


SAIBA MAIS:
50 anos do gol de Luisinho: Link

30.03.2022

PEDACINHOS DA HISTÓRIA GOIANA (n. 90)


A UNIVERSIDADE DE GOIÁS
E O ENTERRO SIMBÓLICO O BISPO


Em 17 de outubro de 1959, foi fundada a Universidade de Goiás, que depois passaria a se chamar Universidade Católica de Goiás e é, atualmente, a PUC de Goiás. Um dos acontecimentos mais marcantes na história da educação goiana.

Parte da sociedade, porém, ficou insatisfeita. A maçonaria e o movimento estudantil queriam que o governo federal instalasse uma universidade pública no Estado e achavam que aquela universidade fundada pela Igreja Católica poderia comprometer essa reivindicação. Esse podia ser o argumento do governo federal: "Como os goianos já têm uma universidade de bom porte, podem esperar mais algum tempo por uma universidade pública".

A insatisfação chegou a tal ponto que, em uma manifestação de rua do movimento estudantil, foi realizado um "enterro simbólico" do arcebispo de Goiânia, Fernando Gomes dos Santos. O tal enterro contou com moças vestidas de preto, "fazendo papel de carpideiras" e chorando sobre o caixão. Os rapazes faziam a sua parte "rezando um latim simulado". (João Neder)

A comunidade católica não gostou e reagiu. Em primeiro de novembro de 1959, um grande ato público foi realizado em tom de desagravo ao arcebispo. Era o dia do aniversário de sua ordenação sacerdotal. Estavam presentes milhares de pessoas e personalidades políticas de destaque (o governador do Estado, o senador Pedro Ludovico Teixeira, o presidente da Assembleia Legislativa do Estado e vários outros). Duas rádios transmitiram o evento para a capital e para cidades goianas do interior. Todos saudaram com entusiasmo a fundação da Universidade de Goiás.

Até o jornal Cinco de Março, publicado pelo próprio movimento estudantil, se colocou contra o "enterro simbólico". Considerou-o desrespeitoso e avaliou que o fato poderia desmoralizar a reivindicação dos estudantes por uma universidade pública em Goiás. "Uma luta nobre e bela, perdeu o seu 'porquê' naquele momento", afirmou o jornal.

A universidade pública, afinal, foi criada legalmente em dezembro de 1960, com o nome de Universidade Federal de Goiás (UFG).

O arcebispo Fernando Gomes dos Santos não guardou rancor. Alguns anos depois, se manifestou em defesa do movimento estudantil goiano, que estava sendo reprimido com rigor cada vez maior pelo Regime Militar.


A arquidiocese de Goiânia foi criada em 1956 e seu
primeiro arcebispo foi D. Fernando Gomes dos Santos.


SAIBA MAIS:
Memória e sacralização de Dom Fernando Gomes dos Santos: o "arcebispo da Providência"
Lindsay Borges (UFG)

23.03.2022

PEDACINHOS DA HISTÓRIA GOIANA (n. 89)


A LENDA DO ARRAIAL GOIANO QUE FOI
CAPITAL DO IMPÉRIO DO BRASIL POR UM DIA


Os arraiais goianos da época da mineração ostentavam muita riqueza e eram considerados locais de fortuna fabulosa. A decadência se impôs no fim do século XVIII, mas ficou a lembrança e a saudade dos tempos afortunados. Da lembrança e da saudade, surgiram lendas sobre um passado dourado e grandioso. Lendas como a do imperador que pernoitou no arraial de Traíras. Essa ganhou tanta força que passou a ser tratada como acontecimento real na internet e na imprensa.

A lenda diz que o imperador do Brasil, D. Pedro II, passou por Traíras e dormiu em uma das suas belas casas. Mas não há nenhum registro de viagem do imperador à província de Goiás.

Aliás, o reinado de D. Pedro II teve início em 1840, décadas depois da decadência dos arraiais da mineração de Goiás, quando Traíras já havia se tornado uma localidade pequena e pobre, sem condições de recepcionar e hospedar o imperador.

A lenda vai além:

- na passagem de D. Pedro II por Traíras, uma senhora muito rica do local presenteou o imperador com uma penca de bananas feita de ouro.

- o imperador D. Pedro II não só dormiu em Traíras, como também despachou no local, fazendo com que o arraial goiano se convertesse em capital do Império durante um dia.

É tudo lenda, mas vários sites da internet e matérias da imprensa tratam o caso como um fato real.

A mineração produziu riqueza real e palpável, mas também criou uma imagem carregada de emoção daqueles arraiais riquíssimos. Assim surgem lendas como a de Traíras, que chegam ao ponto de serem tratadas como realidade.

Traíras hoje se chama Tupiraçaba e faz parte da cidade de Niquelândia.


Reportagem da Record TV Goiás mostra onde o imperador teria
pernoitado. Diz sobre Traíras: "Tão rica e próspera, atraiu uma das figuras
mais importantes do Brasil na época [D. Pedro II]. E que se hospedou nessa casa".
É lenda.  Link para o vídeo: Vídeo


SAIBA MAIS:
Diccionario Geographico, Historico e Descriptivo do Imperio do Brazil (1845). Tomo II.
vide págs. 718-719.

16.03.2022

PEDACINHOS DA HISTÓRIA GOIANA (n. 88)


AS CINCO GOIANAS QUE
QUERIAM VOTAR EM 1889


Em 1889, cinco mulheres goianas solicitaram a um juiz que o seu direito de votar fosse respeitado. O direito ao voto, naquela época, era garantido aos cidadãos sob certas condições. Eram condições de renda, de situação jurídica, mas nada era dito sobre condições sexuais. A legislação falava em "cidadãos", sem especificar se eram cidadãos de um ou outro sexo.

A solicitação, então, era razoável já para aquela própria época.

Uma das solicitantes era Jacintha Luiza do Couto Brandão Peixoto, mãe de Cora Coralina, que se tornaria anos depois uma escritora conhecida nacionalmente.

As outras quatro eram: Silvina Ermelinda Xavier de Brito, Maria Santa Cruz de Abreu, Bárbara Augusta de Sant'Anna e Virgínia Vieira.

Um jornal apoiou a reivindicação: "O dr. Sebastião Fleury que não faça do sexo condição de idoneidade para o direito de voto". (Jornal Goyaz, 27.09.1889)

Mas o juiz negou o pedido. Defendeu que mulheres casadas sob regime de comunhão de bens estavam sob o poder marital e, portanto, não podiam ser eleitoras livres.

Não foram atendidas daquela vez, mas o interesse e a pressão aumentariam ao longo das décadas seguintes, como previu naquele mesmo ano de 1889 o jornal A Família, do Rio de Janeiro:


Em princípio, nada se conseguirá; mas com resolução e constância chegaremos a obter tudo o que a sociedade nos deve e a lei não consente. (23.11.1889)


Nessa mesma matéria, o jornal carioca cita o caso das cinco goianas.

O voto feminino foi instituído no Brasil 43 anos depois.


"Eleitoras". Notícia no Jornal Goyaz (27.09.1889)
Menos de dois meses depois, seria proclamada a República.


SAIBA MAIS:
Uma poética da emancipação feminina nos sertões goianos (século XIX)
Paulo Brito do Prado (UFF) e Eliane Martins de Freitas (UFG)
Link: Artigo

09.03.2022

PEDACINHOS DA HISTÓRIA GOIANA (n. 87)


JK FOI O "PAI DE BRASÍLIA"...
...MAS GOIÁS JÁ DESAPROPIAVA TERRAS PARA
A NOVA CAPITAL ANTES DELE SER PRESIDENTE


Na primeira metade da década de 1950, a ideia de construir a nova capital brasileira no interior do país ainda não contava com pleno apoio do governo federal. A incerteza era enorme. Havia uma comissão encarregada de definir o local da nova capital. Essa comissão, chefiada pelo marechal José Pessoa, se comunicava diretamente com a presidência da República, mas não podia fazer mais nada além disso.

Em 1955, o governador do Estado de Goiás, José Ludovico de Almeida, decidiu criar uma comissão que desse maior estímulo à ideia (prevista na Constituição Federal de 1946). Foi após um encontro com o marechal José Pessoa. Assim foi instituída a Comissão de Cooperação para a Mudança da Nova Capital, que ganhou considerável poder. Em especial, o poder de desapropriar terras para delimitar a área da nova capital.

A comissão teve seus membros empossados três dias após ser criada por decreto, em outubro de 1955. Seu presidente era Altamiro de Moura Pacheco.

Em dezembro, foi oficializada a primeira desapropriação.

Isto é, antes mesmo de Juscelino Kubitschek tomar posse como presidente da República, Goiás já estava reservando terras para formar o território de Brasília.

O governo goiano se destacou como um dos principais apoiadores da mudança da capital federal e da construção de Brasília.


Governador José Ludovico de Almeida, que criou, por decreto estadual,
Comissão de Cooperação para a Mudança da Nova Capital.


SAIBA MAIS:
Terras no Distrito Federal - Experiências com desapropriações em Goiás (1955-1958)
Darcy Dornelas de Farias (UnB)
Dissertação de Mestrado: Link

02.03.2022

PEDACINHOS DA HISTÓRIA GOIANA (n. 86)


O ASSASSINO GANHOU INOCÊNCIA,
MAS O INTELECTUAL FOI REVERENCIADO


Antônio Americano do Brasil foi médico, escritor, jornalista, professor, secretário do governo estadual e chegou a representar o Estado de Goiás na Câmara dos Deputados. Um intelectual respeitado que ganhou do pai um nome carregado de simbolismo e estudou no prestigiado Colégio Pedro II, na cidade do Rio de Janeiro, capital da República à época.

Era gago, mas o pai o treinou para que falasse "alto, compassado e rápido". Deu certo. Tornou-se um grande orador:


O treino foi tão intenso que essa característica o acompanhou por toda vida, fazendo com que se destacasse em sua vida parlamentar (...) e como professor. (Cida Sanches)


Havia passado a sua infância em Bonfim (atual Silvânia), mas em 1927, poucos anos depois de encerrado o seu mandato de deputado federal, decidiu morar em Santa Luzia (atual Luziânia). Ali comprou um sítio, fundou uma Escola Normal e passou a trabalhar como professor, médico e advogado.

Eis que, em 1932, Americano do Brasil morreu tragicamente, assassinado por um desafeto. O assassino chamava-se Aldovandro Gonçalves e havia sido acusado de desvirginar uma moça. Ele negava a acusação e temia que Americano do Brasil fosse chamado a fazer, como perito, um exame de virgindade na jovem. Imaginava que o médico se aproveitaria dessa oportunidade para incriminá-lo. O exame nem seria realizado, segundo disse o promotor de justiça ao próprio Aldovandro. Mesmo assim, o sujeito continuava a suspeitar das intenções do médico e intelectual que era seu inimigo. Assim, dirigiu-se transtornado ao sítio de Americano e, chegando lá, assassinou-o com cinco tiros. Dizia-se em Santa Luzia que os dois eram apaixonados por uma mesma moça, chamada Nila, e por isso rivalizavam ferrenhamente.

Aldovandro Gonçalves ficou preso menos de um ano e, em seu julgamento, foi absolvido.

O assassino ganhou inocência, mas Americano do Brasil foi reverenciado. Recebeu diversas homenagens nas décadas seguintes e atualmente há, no Estado de Goiás, até uma pequena cidade com o seu nome.


Antônio Americano do Brasil (1892-1932)
Patrono da cadeira 33 do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás (IHGG)


SAIBA MAIS:
O covarde assassinato de Americano do Brasil
Cida Sanches (Academia de Letras, Arte e História de Silvânia)
Revista do IHGG, n. 31 (2020) . Link: Revista

23.02.2022